OS PRIMEIROS CONTATOS ENTRE O MUNDO EUROPEU E O AMERICANO*
Francisco Jonas Gomes de Sousa
Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA
Centro de Ciência Humanas-CCH
Resumo
A transição do século XV para o XVI foi marcada pelo encontro das civilizações européias com o Novo Mundo. Tudo começou com as grandes navegações, que propiciaram aos europeus a oportunidade de conquistarem novas terras e aumentarem seu poderio econômico. Porém, para que isso ocorresse, era necessário manter contato com os nativos da região, o que causou momentos de grandes prejuízos para os mesmos.
Palavras-chave
Conquista da América – encontro – escravidão - dizimação
Antecedentes
Velejar por mares desconhecidos e encontrar lugares nunca antes imaginados foram desafios para os europeus do século XV. Havia entre eles um grande medo de enfrentar os perigos existentes (ou não) nestas longas viagens que, por falta de recursos, poderiam demorar mais de três meses. Essa aventura foi o que hoje chamamos de Grandes Navegações, e que foram responsáveis pelo perfil da sociedade global que hoje conhecemos. É bem verdade que muito dos perigos que os europeus tiveram que passar era imaginário e revelavam o caráter supersticioso da sociedade da época. Exemplificando, muitos acreditavam que a terra era quadrada, que o horizonte representava o "fim da linha" do planeta e que ao chegarem naquele ponto, suas embarcações despencariam em um abismo. Outros ainda diziam que o oceano era habitado por monstros terríveis que poderiam engolir os navegantes. Ilusões à parte havia os perigos reais que colocavam em risco a vida de muitos aventureiros, como era o caso dos fortes ventos, das doenças, da fome em alto mar, etc. Mas será que valeria a pena enfrentar todos esses perigos? Se a viagem fosse bem sucedida com certeza valeria. As especiarias foram um dos objetivos das grandes navegações e o seu comércio era extremamente lucrativo, pois elas eram muito cobiçadas. O outro motivo das navegações foi de caráter religioso: o Cristianismo também precisava romper fronteiras. Ou seja, as navegações contribuíram no processo de catequização dos considerados "pagãos". Portugal foi o primeiro desta empreitada e liderou a expansão marítima e comercial européia, pois investiu no negócio das especiarias e artigos de luxo. Para isso foi grande a importância da Escola de Sagres, onde estudiosos conversavam, levantavam hipóteses e compartilhavam experiências para conseguirem melhores êxitos em seus trabalhos. Foi assim que Vasco da Gama conseguiu chegar às Índias contornando a África e controlando esta rota marítima. Assim, para concorrer com Portugal, a Espanha buscou um novo caminho para o Oriente contornando o planeta. Essa era a proposta do espanhol Cristóvão Colombo. Porém, acredita-se que ele não sabia que encontraria um novo continente e, depois de passar cerca de dois meses velejando, deparou-se com terras que posteriormente seriam chamadas de "América".
Periodização da História
Devido à importância destes fatos, muitos historiadores consideram a descoberta da América como a passagem da Idade Média para a Idade Moderna na periodização da História:
Se os cortes clássicos da história européia fazem coincidir essa data com a passagem da Idade Média para os Tempos Modernos, nada permite supor que
essa mudança de século tenha a priori um significado para o continente americano.(p. 11)
É um dos acontecimentos mais importantes dentre os que definem o início da história moderna. As navegações de Colombo provaram a esfericidade da Terra e permitiram que os europeus entrassem em contato com civilizações que desconheciam. Isso abriu um novo capítulo na história da expansão européia, marcada pela guerra de extermínio que sucedeu ao longo do período colonial, inclusive nas terras que constituíram o Brasil atual. Os historiadores de hoje até se perguntam se houve um descobrimento ou o "cobrimento" de várias civilizações indígenas. Diante desta situação, a transição dos séculos XV para o XVI, deixa-nos na dúvida: será que o descobrimento da América foi algo que contribuiu para o desenvolvimento das civilizações ou foi um fator preponderante para o extermínio de diversas culturas locais? O fato é que a transição dos séculos foi marcada por muitas transformações em grandes civilizações, sendo que, o que para umas foi motivo de desenvolvimento, para outras foi um atraso, uma catástrofe. A conquista de novas terras seria relativamente simples, sem grandes proporções, se as relações entre os conquistadores e os conquistados fossem apenas por motivos territoriais, ou seja, pelo materialismo. Porém sabemos que existiam muitos outros fatores, o que fez com que o cotidiano dos diretamente envolvidos mudasse radicalmente:
Tanto mais que, de forma relativamente inconsciente, acrescentamos a essas mudanças de século um toque de angústia e de suspense, como se essas datas fossem secretamente portadoras do fim dos tempos ou anunciadoras de um milênio de paz e felicidade. (p. 11-12)
Como a sociedade vê este tema
Julgar estes acontecimentos de maneira imparcial fica praticamente impossível – o que os historiadores precisam impacientemente mudar, já que têm como missão dar voz a todos os sujeitos da história – quando nos deparamos com fontes que retratam especificamente a visão do europeu. Quando não nos policiamos, corremos o perigo de achar que a historiografia européia é a única realmente confiável, ou ainda pior, que ela é uma verdade absoluta. Isso faz muitas pessoas pensarem, ao estudar História da América, por exemplo, que tudo o que há no continente americano só passou a existir após a chegada dos europeus, o que fica evidenciado ao observarmos que o estudo da História do Brasil, imposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e estudada por todos os alunos da educação básica, inicia-se após o ano de 1500 – um absurdo – como se o Brasil tivesse surgido com o “ar da graça” de Pedro Álvares Cabral. Quanto aos chamados pré-colombianos, ainda aparecem pouco nos livros didáticos e o ponto principal de sua abordagem não está na análise de suas culturas, mas no seu contato com os espanhóis e, consequentemente, na sua dizimação:
Para dizer a verdade, os descobrimentos europeus só têm sentido para os europeus, e as terras e povos que os europeus passam a conhecer jamais brotam do nada. (p.12)
Mesmo com a existência de grandes equívocos historiográficos, devemos reconhecer que o encontro dos mundos europeu e americano deixou marcas significativas que podem ser observadas até hoje. Os americanos possuem uma identidade extremamente “europeizada” e não carregam consigo um sentimento de pertença à América. Tanto é que, se dissermos que uma pessoa é americana, subentende-se que ela é natural dos EUA, algo bem diferente dos africanos, por exemplo, que são tão integrados culturalmente que algumas pessoas acham que a África é um país.
Europa x América: o encontro
O encontro dos espanhóis com as tão cobiçadas “Índias” deu-se em outubro de 1492. Pode-se imaginar a repercussão que foi este fato na Europa, quando se descobriu que a aventura de alguns navegantes obteve êxito.
No início do século XVI, nos territórios dominados pela coroa de Castela, espalhou-se a idéia da novidade absoluta do acontecimento: nunca se vira algo assim desde o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. (p. 13)
Em uma época em que a colonização significava oportunidade de crescimento, com certeza os países europeus demonstraram bastante interesse pela posse das novas terras. Os aliados da Espanha viram neste acontecimento um grande motivo para reforçar a aliança, já seus adversários, provavelmente tentaram de todas as formas tomar o território de seu arqui-rival. Enquanto isso, o cotidiano dos ameríndios antes da chegada dos europeus também era marcado por grandes aventuras e inovações que visavam seu desenvolvimento. Já havia entre eles uma estrutura social formada e utilizando um termo bem europeu, já eram bem “civilizados”.
O encontro destes dois mundos gerou visões diferenciadas em ambos. Para os ameríndios os europeus eram seres de outro mundo; fisicamente eram muitos diferentes; estavam montados em cavalos, que eram seres até então desconhecidos, o que fez eles pensarem, inicialmente, que homem e cavalo fossem um único ser; sua cultura também era bastante diferente e ainda usavam roupas que, para os nativos, eram desnecessárias. Já os europeus tiveram visões espetaculares, e os meses de sofrimento enquanto navegavam tiveram – o que eles acreditavam – uma grande recompensa:
As primeiras imagens são paradisíacas: uma vegetação exuberante, águas límpidas, aves raras, produtos cobiçados – aloés, canela -, criaturas nuas, bonitas e acolhedoras. (p. 14)
No início da Idade Moderna acreditava-se na existência de um “paraíso terrestre”, onde se podia viver de forma humilde e sem maldade. Achava-se que este lugar era o Éden e ele ainda persistiria em algum lugar do mundo. No final do século XV e início do XVI, associou-se este paraíso à recém encontrada América. Logo os seus habitantes também foram sacralizados, sendo considerados puros e mantedores de uma simplicidade primitiva. Estas opiniões deram origem ao “mito do bom selvagem”. As idéias renascentistas fortaleceram este mito, pois o Renascimento tinha a lembrança de um tempo mítico, em que o homem era bom, perfeito e feliz, e acreditava-se reencontrar isso nos “selvagens”. Outro fator que acentuou ainda mais a importância da região foi a especulação da existência de ouro, sinal de riqueza e motivo de cobiça dos europeus. Com isso, surgiram as primeiras villas européias na América, onde os colonos procuravam viver e conservar a cultura da Europa em meio aquele ambiente natural. Porém, em poucos anos viu-se que nem tudo ocorreria da maneira que esperavam e, da mesma forma que foram construídas, as villas foram abandonadas:
É que em poucos anos as realidades locais se encarregaram de dissipar os entusiasmos dos primeiros tempos e de desmentir os balanços triunfais que Colombo e seus partidários espalhavam. (p. 15)
Faltava para os europeus o necessário para a subsistência e, a pedido de Colombo, objetos e mercadorias foram mandados à América por reis católicos. As queixas ao comandante eram grandes e os colonos já não agüentavam mais tantos martírios que tiraram a vida de muitos de seus companheiros. O tão sonhado ouro parecia não ter passado de especulações e, devido aos empecilhos naturais e a resistência dos nativos, a evangelização não ocorreu da maneira que esperavam.
A dizimação dos ameríndios
O contado dos nativos do continente americano com os europeus teve conseqüências desastrosas para os primeiros, custando a vida de praticamente toda a civilização:
Por outro lado, é conhecida a série das desgraças que enfraquecem e depois dizimam os autóctones: epidemias e subalimentação, massacres e maus-tratos, exploração desenfreada dos sobreviventes, destruição do meio ambiente e dos modos de vida tradicionais, deportações maciças. (p. 17)
Diante desta situação, a passagem dos séculos configura-se como um tempo atípico, em que se caracterizou a carnificina e o descaso para com a mesma. As civilizações autóctones, da mesma forma rápida que foram encontradas e exploradas, também foram exterminadas. A sociedade colonial mostrou sua grande capacidade de destruir fauna, flora e homens, bem como seu poder de autodestruição, já que muitos sucumbiram devido a não adaptação ao clima, às doenças e às más condições de vida. Devido ao esgotamento físico e à falta de defesas imunológicas os ameríndios não ofereciam nenhuma resistência às novas doenças portadas pelos colonos e “importadas” por suas caravelas.
Como os trabalhos na colônia deviam prosseguir, a solução para a escassez de mão-de-obra foi encontrada no tráfico de negros africanos da África portuguesa sob a autorização do rei de Portugal e assim, tem-se início a uma novo momento de exploração e de imposição de uma cultura em detrimento de outra.
Uma grande civilização reduzida praticamente a nada foi o maior saldo da participação européia no Novo Mundo. Uma população de cerca de um milhão de habitantes reduziu-se a apenas cinco mil, sendo que até hoje seus descendentes lutam para fugir da dominação. Resta-nos escolher se queremos continuar fazendo o papel dos colonizadores.




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